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“Os jogadores estarão sempre em alerta porque sabem que o perigo é real”

A I Liga regressa já na próxima quarta-feira, quase três meses depois de ter sido interrompida pela pandemia. Para além das preocupações físicas, a componente psicológica dos jogadores assume um papel decisivo no futuro das equipas em prova. João Martins, antigo atleta de Sporting e Penafiel e atual mental coach, explica aquilo que lhes passa pela cabeça e de que forma o medo do contágio poderá ser ultrapassado.

O futebol português está prestes a ser retomado depois de um longo período – quase três meses – em que a bola não rolou em campo por conta da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. Existe, naturalmente, muita curiosidade para perceber em que condições físicas os jogadores vão reaparecer neste regresso à competição. No entanto, nem tudo se resume à condição física dos intervenientes. Também o aspeto psicológico assume um papel preponderante para os jogadores que, tal como a grande maioria dos portugueses, não deixam de ter medo de ser infetados pela Covid-19.

“Os jogadores têm de aceitar a fase que estão a viver e adaptar-se a esta nova realidade sem oferecer resistência. Sabemos que o risco de infeção é grande e por isso os clubes têm que dar as condições necessárias e promover a prevenção. Os jogadores, por mais que possam aparentar estar tranquilos nesta fase, inconscientemente vão estar sempre em alerta, porque sabem que o perigo é real. A parte que compete aos clubes é detetar se os graus de ansiedade e stress estão elevados de forma a usar diferentes técnicas para os manter calmos“, começa por explicar João Martins, em declarações exclusivas ao Desporto ao Minuto.

O facto de estarem preocupados com fatores externos ao jogo pode implicar uma quebra de rendimento por parte dos jogadores, algo que o antigo médio português considera ser mais um elemento no controlo das emoções. Além disso, o perigo de lesões também pode estar associado a uma excessiva preocupação com o que se passa fora das quatro linhas. Esta realidade já ficou bem evidente na Alemanha, onde a Bundesliga já foi retomada e, logo na primeira jornada pós-confinamento, registou-se um elevado número de lesões.

“O desempenho dos atletas varia de acordo com a quantidade de foco e abstração que tiverem durante o jogo. Têm que entrar em campo focados naquilo que têm a fazer e nos objetivos a atingir. Se não estiverem focados nas suas tarefas, como podem render? O propósito de jogar tem que ser maior do que os medos e receios que possam existir. Depois, claro que o fator psicológico interfere diretamente no desempenho e na bioquímica do corpo. Emoções como o stress e o medo criam tensão no corpo, logo o músculo está mais suscetível a ceder. Assim aparecem as lesões”, explica o mental coach.

Família pode ajudar a ultrapassar a ansiedade

As equipas querem diminuir ao máximo o risco de um possível foco de infeção nos respetivos plantéis e há casos em que os jogadores podem ficar privados de estar com a família até ao final do campeonato. O Santa Clara, por exemplo, deixou os Açores e instalou-se na Cidade do Futebol, em Oeiras, local onde irá estagiar e disputar os jogos na condição de visitado. Os atletas açorianos ficam, assim, longe do convívio com os familiares nas próximas semanas, mas João Martins destaca a forma como as coisas podem ser encaradas, ao mesmo tempo que recorda as várias formas como a tecnologia permite uma comunicação imediata apesar dos vários quilómetros de distância que separam os jogadores das respetivas famílias.

“Os jogadores, além de já terem as preocupações deles, de como o processo se vai desenrolar, supostamente irão estar preocupados com o bem-estar das suas famílias. É importante sentirem o apoio da família para ficarem mais tranquilos, porque no fundo a maior exposição vai ser dos jogadores. Além disso, hoje em dia podem usar a tecnologia para se manterem presentes mesmo à distância. A equipa técnica vai passar exatamente pelo mesmo”, aponta João Martins, sem deixar, porém, de lamentar a falta de um elemento especializado para ajudar os jogadores a lidar com esta nova realidade.

“Devia haver alguém nos clubes a cuidar do lado mental de cada jogador para que fossem neutralizados os medos existentes. O stress, a ansiedade, o nervosismo, a tensão e a lesão são, muitas vezes, provocados pelo medo“, garante o mental coach.

Jogos sem adeptos nas bancadas podem sacudir a pressão

João Martins acredita que o facto de os jogos serem disputados à porta fechada pode ajudar alguns jogadores a libertarem-se da pressão que, em muitos casos, é provocada pela atmosfera normal dos estádios. O antigo jogador refere, por exemplo, que há muitos atletas que não conseguem transportar para os jogos aquilo que mostram nos treinos.

“A falta de adeptos não deve ser um fator determinante para a concentração. Podem usar isso para tirar a pressão de cima dos ombros. Há muitos jogadores que treinam muito bem e nos jogos não têm o mesmo rendimento devido à pressão da atmosfera do estádio. O segredo está no significado que derem àquilo que vai acontecer. Podem colocar uma intenção grande ao entrar em campo… Por exemplo: ‘Vou estar a jogar para atingir os objetivos do clube’, ‘Vou jogar para ser um exemplo de superação para os mais novos’, ‘Vou jogar pelo meu filho’. Cada um escolhe uma intenção e, quando essa intenção é muito grande, vão ter motivação e foco para encarar e ultrapassar todos os obstáculos”, sublinha.

A ‘receita’ para o título

João Martins não deixa de referir que a mentalidade competitiva vai assumir um papel ainda mais importante na luta pelo título de campeão nacional. O FC Porto, recorde-se, é quem lidera a tabela classificativa, mas o Benfica está a apenas um ponto. Este cenário deixa antever uma batalha intensa nestas 10 jornadas que estão por disputar, e o antigo jogador que fez a formação no Sporting deixa a ‘receita’ que ditará o nome do futuro campeão nacional.

“A força do grupo faz-se notar principalmente nos momentos de adversidade. Uma equipa que luta por títulos tem que saber lidar bem com qualquer tipo de pressão. Do meu ponto de vista, esta paragem não traz nem mais nem menos pressão. Aliás, traz mais métodos e planeamento para atingir o objetivo pretendido. Vai vencer quem tiver a melhor mentalidade e souber gerir da melhor forma o lado emocional. Esses dois fatores vão ser determinantes para que cada equipa e cada jogador possam atingir os seus objetivos“, conclui João Martins.